O retorno à essência: Silva e a decisão de abandonar o Axé em busca da autenticidade artística

O retorno à essência: Silva e a decisão de abandonar o Axé em busca da autenticidade artística
O retorno à essência: Silva e a decisão de abandonar o Axé em busca da autenticidade artística
O retorno à essência: Silva e a decisão de abandonar o Axé em busca da autenticidade artística. Reprodução/Instagram/@silva

O capixaba Lúcio Silva de Souza, conhecido pelo nome artístico Silva, tinha apenas sete anos quando sua mãe, uma professora de música devota e evangélica, o apresentou ao perturbador filme “O Inferno em Chamas” (1993), uma produção da indústria cristã norte-americana. O filme narra a aterrorizante história de um homem em coma que é conduzido por demônios a uma jornada pelo inferno, onde é confrontado com todos os horrores possíveis do submundo. Se a intenção da produção era manter os “cordeiros de Deus” no caminho da retidão, em Silva, que hoje conta 36 anos, causou o efeito oposto. Até hoje, ele é assolado por insônias provocadas por aquele espetáculo de horrores.

Esse episódio, no entanto, é apenas uma nota de rodapé na complexa trajetória artística de Silva, que, agora, se prepara para lançar seu mais novo álbum, “Encantado”, uma obra que já se posiciona como um forte candidato a figurar entre os melhores lançamentos de 2024. Neste álbum, Silva retoma a essência de sua obra autoral, que havia sido relegada ao segundo plano devido ao projeto Bloco do Silva, onde ele se dedicava a releituras da música axé.

O desafio do Bloco do Silva: da timidez ao sucesso comercial

O Bloco do Silva foi um divisor de águas na carreira do músico. Silva, notoriamente tímido, se viu cantando axé, um gênero conhecido por sua exuberância e extroversão. “Fui me desafiando aos poucos”, relembra o artista, que, até então, não sabia como lidar com a liberdade de estar no palco sem um instrumento musical em mãos. Para superar essa barreira, ele recorreu a um professor de dança contemporânea, que lhe ensinou o básico da movimentação no palco.

Com o tempo, Silva foi ganhando confiança, e a necessidade de se mover pelo palco aumentou à medida que as músicas animadas do Bloco do Silva demandavam maior interação com o público. Um marco importante em sua trajetória foi a colaboração com artistas como Anitta e Ludmilla, que ampliou seu alcance e o levou a participar de festivais onde o público clamava por apresentações mais enérgicas e populares. “Nesses eventos, o público quer algo mais popular, mesmo. Não ia ficar parado para ouvir uma música, iria embora caso o show fosse mais calmo”, afirma Silva, relembrando o momento em que decidiu incluir uma canção da Banda Eva em seu repertório.

A ascensão e a comercialização do Bloco do Silva

O Bloco do Silva, que começou timidamente no final de 2018, tornou-se rapidamente um fenômeno, transformando-se em um bloco de Carnaval que atraía multidões. Inicialmente, Silva lamenta, o projeto tinha uma proposta mais abrangente, com participações de ícones da MPB como Moraes Moreira e Elba Ramalho. No entanto, após uma apresentação no Cine Joia, em São Paulo, onde o público esgotou o estoque de bebidas em uma noite, o bloco tomou um rumo mais comercial. O sucesso estrondoso atraiu o interesse de grandes marcas de bebidas, transformando o projeto em uma operação altamente lucrativa.

Contudo, o que deveria ser motivo de celebração, para Silva, tornou-se uma fonte de desconforto. “A coisa fugiu do meu controle”, admite o músico, que sentiu a necessidade de competir com esse sucesso comercial, mas sem ter um trabalho de inéditas para apresentar. Esse descompasso entre sua verdadeira identidade musical e as demandas do mercado gerou um profundo incômodo. “Embora seja um público incrível, ele não habita o meu lugar musical”, reflete Silva.

A decisão de retomar a autenticidade artística

A pressão de continuar interpretando músicas de terceiros, enquanto deixava sua própria obra em segundo plano, levou Silva a uma profunda reflexão. Durante a última apresentação do Bloco do Silva em São Paulo, em janeiro de 2024, diante de um público de 15 mil pessoas e ao lado de Jorge Aragão, um dos grandes compositores da música brasileira, Silva teve um momento de clareza. “Preciso apostar mais no que acredito musicalmente sem ter medo, me arriscar mais”, concluiu.

Esse retorno à autenticidade se deu também em resposta ao dilema de equilibrar arte e comércio. “Se eu tiver que deixar de fazer a música que eu amo, do jeito que eu quero, com as minhas regras, em prol de dinheiro, eu prefiro mudar tudo”, declara Silva, relembrando suas raízes humildes e o início de sua carreira, quando tinha apenas um piano em casa. Filho de uma professora, Silva compreende o valor de uma vida simples e, por isso, opta por seguir um caminho artístico que, embora possa ser menos rentável, é fiel à sua essência criativa.

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