Já teve a honra de assistir a apresentações de ícones do soul, samba rock e da rica música preta popular brasileira? Jorge Ben? Cassiano? Tim Maia? A maioria de nós, infelizmente, não teve essa oportunidade. Aqueles que o fizeram compõem uma minoria privilegiada da população brasileira. No entanto, neste simbólico e decisivo último dia de Rock in Rio, Belo, além de prestar tributo a esses mestres, realizou um dos espetáculos mais notáveis do cenário nacional. Não foi a apresentação mais técnica, nem a mais espetacular, mas certamente uma das maiores, considerando tanto o contexto quanto a riqueza musical que trouxe à tona.
Belo: o cantor do amor e a fusão de gêneros musicais
Autointitulado “Cantor do Amor” — e com total merecimento —, Belo promoveu uma verdadeira celebração com o seu público. A energia fluía com naturalidade, enquanto homens e mulheres, independentemente de suas orientações, entrelaçavam-se em dança e afetos. Em meio a esse cenário, o artista, apadrinhado e orquestrado com maestria por Wilson Prateado, mostrou-se como um legítimo herdeiro das melhores produções musicais brasileiras dos anos 1960, 1970 e 1980.
Em sua estreia no maior festival de música e entretenimento do planeta, Belo brindou os presentes com referências a ícones como Originais do Samba, Djavan, Banda Black Rio e Sandra de Sá. Contudo, foi seu repertório próprio que realmente fez o público vibrar, enquanto momentos mais mornos ocorreram nas breves interrupções em que ele se distanciou da vibração do pagode, do samba rock e do soul, ao interpretar um clássico da bossa nova e uma versão um tanto desinteressante de “Mas Que Nada“, de Jorge Ben.
Um espetáculo que escreveu história
Entretanto, os momentos menos inspirados foram exceções em uma apresentação que, em sua maioria, transbordou história e tradição. A apresentação reverberou como uma celebração da melhor música de baile, com interpretações de samba, samba rock e clássicos de Hyldon, Fábio, Leci Brandão e Luiz Melodia. Infelizmente, nenhum desses grandes nomes foi citado de forma mais enfática durante a apresentação, o que poderia ter elevado ainda mais a experiência. A citação a Jorge Ben, por exemplo, soou deslocada, desapontando aqueles que esperavam ver Belo mais próximo das raízes do soul e do R&B, ao invés de versões desprovidas de inovação.
Felizmente, canções como “Eternamente“, Pura Adrenalina, Desse “Jeito É Ruim Para Mim“, “Reinventar” e “Intriga da Oposição” restabeleceram a atmosfera festiva, fazendo com que o pagode e o charme brilhassem com força total, transformando o espetáculo em um verdadeiro baile.
Belo: um artista multifacetado
Belo entrega-se inteiramente ao que faz. Sob a direção segura de sua metodologia, exibe o auge da música popular brasileira contemporânea. Sua obra, repleta de sucessos, raramente deixa espaço para o tédio: ou a canção é um sucesso reconhecido ou, no caso raro de não ser, logo se torna um clássico entre seus admiradores. É inegável que Marcelo Pires Vieira, nome por trás de Belo, se inscreve no panteão dos grandes artistas populares brasileiros, com comparações a Elymar Santos e, para muitos, até a Roberto Carlos.
Todos esses artistas são extraordinários em suas respectivas esferas e, para quem teve o privilégio de vê-los, o momento foi único. E para aqueles que ainda não o fizeram, há inúmeras oportunidades, uma vez que a apresentação regular de Belo consegue, surpreendentemente, ser ainda melhor do que a apresentação visto no Palco Favela. Este palco, uma curiosa forma de o mercado musical brasileiro lidar com artistas que deveriam ocupar posições de destaque, não fossem as biografias muitas vezes marcadas pela “periferia”.
O futuro da música popular brasileira no Rock in Rio
Tati Quebra Barraco, Cidinho e Doca, Fundo de Quintal, Borges, Kevin O Cris, Xande de Pilares, Buchecha, Hariel, entre outros, ajudaram a criar uma nova energia dentro de um festival que, por vezes, parecia reticente em reconhecer a verdadeira música popular brasileira. No entanto, com apresentações marcantes e irreverentes, esses artistas demonstraram que, finalmente, a música popular brasileira encontrou o seu merecido espaço no maior palco de todos. Que este seja apenas o começo de uma nova era, em que a cultura da periferia se erga, e os bailes de todas as comunidades brasileiras encontrem seu lugar ao sol.