No último sábado (21), durante o Festival de Cinema de San Sebastián, na Espanha, Cate Blanchett foi homenageada com o prêmio Donostia, que celebra sua notável carreira no cinema. Durante seu discurso de agradecimento, a atriz surpreendeu ao mencionar a escritora brasileira Clarice Lispector como uma de suas fontes de inspiração. Blanchett, que revelou estar lendo as obras de Lispector recentemente, elogiou a autora, destacando sua genialidade.
Ao falar sobre a influência de Clarice Lispector, a atriz mencionou que, em momentos de incerteza, recorre à escritora brasileira para encontrar coragem. Cate também compartilhou reflexões da crônica “Diálogo do Desconhecido“, publicada no livro “A Descoberta do Mundo” em 1984, em que a autora discorre sobre a liberdade que surge ao reconhecer o que ainda não se sabe, sugerindo que o desconhecimento pode ser uma vantagem, pois nos liberta de preconceitos e nos permite expandir a compreensão do mundo.
Durante uma coletiva de imprensa após a cerimônia, Blanchett voltou a mencionar Lispector, destacando a importância da simplicidade na criação artística. Ela explicou que alcançar a simplicidade requer muito esforço e preparação, desafiando a percepção de que algo simples é necessariamente fácil de ser produzido.
A menção à autora brasileira causou grande repercussão, destacando a influência global de Clarice Lispector e reforçando a conexão entre a literatura e as artes cênicas. Cate, ao refletir sobre as lições de Lispector, mostrou como a simplicidade e o desconhecido são forças poderosas em seu processo criativo.
Clarice Lispector
Clarice Lispector, nascida na Ucrânia, chegou ao Brasil ainda criança, mas manteve traços de um leve sotaque estrangeiro ao longo de sua vida. Faleceu aos 57 anos, em 1977, deixando uma vasta produção literária que exerceu grande influência no século XX.
Sua escrita era marcada por um estilo único, caracterizado pela intensidade e uma abordagem introspectiva, psicológica e, por vezes, abstrata. Sua obra tocava profundamente as emoções humanas, trazendo consigo um tom de melancolia e, em alguns momentos, de pessimismo.
Uma de suas reflexões mais conhecidas expressava uma visão desiludida sobre o poder transformador da escrita: “Não muda nada. Escrevo sem esperança de que alguma coisa que eu escreva possa mudar o que quer que seja. Não muda nada”.
A Descoberta do Mundo
A “Descoberta do Mundo” é uma coletânea de 468 crônicas escritas por Clarice Lispector e publicadas no Jornal do Brasil entre 1967 e 1973. O livro reúne reflexões pessoais e observações sobre o cotidiano, abordando temas variados, desde memórias da infância até análises sobre a sociedade brasileira. A obra destaca-se pela linguagem poética e introspectiva, com uma mistura de realidade e ficção que transforma acontecimentos banais em reflexões sobre a vida, o amor e a condição humana.
Com um tom autobiográfico, “A Descoberta do Mundo” permite ao leitor conhecer mais sobre a vida pessoal de Lispector e suas interações com figuras culturais da época. Através de uma abordagem sensível e, por vezes, humorística, a autora revela aspectos de sua personalidade e oferece uma visão única sobre o mundo ao seu redor.
A obra é considerada uma importante contribuição para a literatura brasileira, proporcionando ao leitor uma experiência de leitura profunda e reflexiva, com questionamentos sobre a existência e a identidade humana.
Diálogo do Desconhecido
– Posso dizer tudo?
– Pode
– Você compreenderia?
– Compreenderia. Eu sei de muito pouco. Mas tenho a meu favor tudo o que não sei e – por ser um campo virgem – está livre de preconceitos. Tudo o que não sei é a minha parte maior e melhor: é a minha largueza. É com ela que eu compreenderia tudo. Tudo o que não sei é que constitui a minha verdade.