O fenômeno do K-Pop, ou pop coreano, é hoje um dos gêneros musicais mais proeminentes em âmbito global, movimentando cifras astronômicas que variam de US$ 500 bilhões a 1,5 trilhão (aproximadamente R$ 2,9 trilhões a R$ 8,5 trilhões) no mercado musical sul-coreano. No entanto, esse sucesso descomunal vem à custa de um ambiente extremamente competitivo, onde jovens aspirantes a ídolos, conhecidos como idols, são submetidos a rigorosas condições de vida e treinamento. Desde a infância ou adolescência, muitos desses jovens rompem os laços com suas famílias e se isolam em centros de treinamento intensivo, sem praticamente nenhum contato com o mundo exterior.
As academias de ídolos e o testemunho do Blackpink
O grupo Blackpink, composto por Rosé, Jennie, Lisa e Jisoo, ofereceu um raro vislumbre dos bastidores dessa indústria no documentário “BlackPink: Light Up The Sky“, da Netflix. As cantoras descreveram as chamadas “academias”, que funcionam como campos de treinamento para a formação de futuros idols. Durante anos, esses jovens são submetidos a jornadas extenuantes, com 14 horas de ensaios diários e apenas uma folga quinzenal.
A alimentação, sobretudo das integrantes femininas, é cuidadosamente controlada, com dietas rigorosas que, em alguns casos, podem ser perigosas. Se o peso estipulado não é mantido, as jovens podem ser privadas de refeições e ter acesso apenas a água. Existem relatos de dietas extremas, como a dieta do copo de papel, onde a quantidade de comida é limitada ao que cabe dentro de um copo descartável, ou até o consumo de gelo para aliviar a fome.
A “fabricação” de ídolos: a estratégia da SM Entertainment
A SM Entertainment, uma das maiores agências de entretenimento da Coreia do Sul e pioneira no desenvolvimento de grupos de K-Pop, é responsável por muitos desses centros de treinamento. A empresa adota uma abordagem que denomina “Tecnologia Cultural”, na qual acredita-se que estrelas podem ser “fabricadas”, assim como se produz um celular ou computador. Segundo essa lógica, o talento não é inato, mas pode ser moldado e aperfeiçoado por meio de um treinamento rigoroso que abrange não apenas canto e dança, mas também aprendizado de idiomas, comportamento adequado e interação com a mídia.
O grupo BTS, um dos maiores sucessos da SM Entertainment, exemplifica esse processo. Desde os 11 anos de idade, seus integrantes passaram por sessões diárias de treinamento que duravam de 12 a 15 horas. A agência, utilizando aplicativos avançados, previa desde cedo como seus corpos e vozes se desenvolveriam, o que faz com que muitos vejam o BTS como o produto final de uma “linha de produção” cuidadosamente orquestrada.
A dura realidade pós-fama: contratos restritivos e condições de trabalho
Mesmo após alcançarem o sucesso, a vida dos idols permanece repleta de desafios. Contratos rigorosos proíbem os artistas de manterem relacionamentos amorosos, expressarem opiniões políticas que não estejam alinhadas com o patriotismo sul-coreano ou saírem desacompanhados de supervisores da empresa. Participações em eventos e campanhas publicitárias são obrigatórias, e os contratos frequentemente estipulam salários desproporcionais ao lucro gerado pelos grupos. A revelação dessas condições pelos artistas é, também, estritamente proibida.
Tragédias e o preço da fama
A pressão constante e as condições sub-humanas impostas pela indústria deixaram marcas profundas. Em 2017, Kim Jong-hyun, integrante do grupo SHINee, cometeu suicídio. O cantor, que havia falado abertamente sobre sua luta contra a depressão e a angústia provocada pela fama, buscava romper os tabus enraizados na sociedade sul-coreana em relação à saúde mental. Em uma de suas últimas mensagens, Jong-hyun declarou: “Diga que me saí bem”.
Outros casos trágicos se seguiram, como os de Goo Hara, cantora que enfrentava intenso assédio digital após denunciar um ex-namorado que ameaçava divulgar um vídeo íntimo do casal, e Sulli, integrante do extinto grupo f(x), que também tirou sua própria vida após sofrer ataques virtuais devido a suas posições feministas.
Essas tragédias expõem o lado sombrio de uma indústria que, embora produza ídolos adorados em todo o mundo, também subjuga e destrói muitos de seus talentos.