“Não sinto pressão; estar aqui é minha zona de conforto.” Essas palavras de Toto Wolff, Diretor Executivo e chefe da equipe Mercedes de Fórmula 1, refletem sua postura resiliente ao encarar uma temporada difícil para sua equipe que por muitos anos foi dominante no automobilismo.
Às vésperas das últimas corridas do campeonato, ele compartilha reflexões profundas sobre saúde mental, mudanças no time e desafios pessoais que ultrapassam as pistas.
Chefe da Mercedes conta traumas do passado e desafios do presente
Aos 52 anos, Wolff não esconde as marcas de uma infância traumática. “Sempre tive problemas de saúde mental. Isso vem da minha criação”, confessa.
No entanto, Torger, que nunca escondeu sua história, coloca suas dificuldades em perspectiva: “Todos nós temos que carregar nossa bagagem”, diz o austríaco, “e o que eu percebo como trauma e humilhação quando criança não moveria a agulha para alguém que cresce na Síria ou pega um barco sobre o Canal para sobreviver. Não deveríamos sentir pena de nós mesmos.”
Torger (Toto) Christian Wolff, Diretor Executivo e chefe da equipe Mercedes-AMG Petronas Formula One Team, é uma figura central na história recente da Fórmula 1. Nascido em Viena, Áustria, Wolff começou sua trajetória como piloto de corrida, mas encontrou seu verdadeiro sucesso como empresário e estrategista. Após ingressar na Mercedes em 2013, ele liderou a equipe em uma era de domínio absoluto, conduziu a equipe das Fleshas Prateadas a oito campeonatos consecutivos de construtores entre 2014 e 2021, estabelecendo recordes históricos com pilotos como Lewis Hamilton ao seu lado. Reconhecido por sua visão de negócios e habilidade em gerenciar equipes de alto desempenho, Wolff se consolidou como um dos nomes mais influentes no esporte.
Mas os últimos anos têm sido de desafios. A equipe caiu para o terceiro lugar em 2022 e para o quarto em 2024, com a saída de Lewis Hamilton anunciando um novo capítulo.
A despedida de Hamilton da Mercedes é dolorosa, mas aceitável
Hamilton, que conquistou seis de seus sete títulos mundiais sob a liderança de Wolff, deixará a Mercedes para se juntar à Ferrari em 2025. Toto relembra o momento em que soube da decisão. “Não fiquei chocado, mas sabia semanas antes”, diz, ao descobrir por rumores vindos de outros pilotos, ele acabou recebendo uma ligação de Carlos Sainz, o piloto que perdeu sua vaga na Ferrari para Lewis no próximo ano, e seu pai.
Naquela mesma tarde, Wolff começou a receber ligações de outros pilotos próximos a Charles Leclerc, que permanece na Ferrari. Entre eles, estava Fernando Alonso. Segundo Wolff, tudo começou com Leclerc sabendo durante o inverno sobre uma possível mudança, e logo seus aliados mais próximos espalharam a notícia de que haveria um assento livre na Mercedes. Ele confidenciou a Susie Wolff, sua brilhante esposa: “Isso está acontecendo sem que saibamos oficialmente.”
Desconfiado, Wolff enviou uma mensagem de texto para Frédéric Vasseur, seu colega na Ferrari, perguntando diretamente: “Tu estás levando nosso piloto?” Quando não recebeu resposta — algo incomum, já que ele e Vasseur eram bons amigos —, Wolff teve a confirmação que temia: Hamilton estava de saída. Mesmo assim, hesitou em ligar diretamente para o piloto.
Quando Hamilton finalmente contou pessoalmente, Wolff percebeu a dificuldade do piloto em se abrir: “Eu vi a dor dele ao me dizer. Mas, no fundo, isso me poupou de uma conversa ainda mais difícil, na qual talvez eu precisasse dizer que ele estava envelhecendo para nosso planejamento futuro.”
Apesar da saída, Wolff é otimista quanto ao futuro: “Lewis e eu teremos uma nova amizade. Do lado profissional, mudanças sempre trazem benefícios. Estamos embarcando em uma nova era com George Russell e Kimi Antonelli. É empolgante.”
“Eu posso aguentar muita merda, mas não mexe com ela!” , Susie Wolff e as polêmicas misóginas
Além dos desafios na equipe, Wolff enfrentou questões pessoais este ano. Sua esposa, Susie Wolff, diretora da F1 Academy, foi alvo de uma investigação da FIA após acusações de compartilhar informações técnicas confidenciais com Toto. Apesar de ser rapidamente absolvida, o ataque abalou o casal.
“Eu posso aguentar muita coisa”, afirma Toto, “mas quando arrastam sua esposa para algo que não tem nada a ver com ela, ultrapassa o limite.” Ele descreve o incidente como misógino e desrespeitoso.
A comunidade da F1 se uniu em defesa de Susie, com oito chefes de equipe assinando uma declaração de apoio. Apenas Christian Horner, da Red Bull, resistiu inicialmente, o que gerou ainda mais tensões.
A FIA encerrou rapidamente sua investigação, mas Wolff afirmou que não pretende conversar com Horner. “Não. Eu não acho que se possa confiar no que ele diz”, declarou. Para Wolff, Susie acabou sendo um dano colateral em meio à situação, e muito disso foi resultado de um desrespeito às conquistas dela como piloto de corrida e como agente de mudança no esporte. Ele acrescentou: “Também foi uma tentativa de causar problemas para mim, desrespeitando minha esposa e diminuindo a dolorosa jornada pela qual ela passou para alcançar o que conquistou, tanto dentro quanto fora do carro.”
Lições na adversidade
A narrativa de Matthew Whyman sobre as duas últimas temporadas da Fórmula 1 oferece uma perspectiva reveladora e cativante. No início do livro, Whyman admite que, após os resultados desastrosos da Mercedes nos testes antes do primeiro Grande Prêmio de 2023, ele temeu que sua colaboração com a equipe fosse rapidamente encerrada.
No entanto, Wolff foi categórico ao insistir na permanência de Whyman. Ele agora reflete: “Você aprende muito mais na adversidade, porque é quando sua cultura e resiliência são colocadas à prova. Raramente voltamos de uma corrida e nos perguntamos: ‘Por que ganhamos?’ Sempre dizemos que os dias em que perdemos são aqueles em que nossos concorrentes devem mais nos temer, porque aprendemos mais.”
Para Wolff, o desempenho da Mercedes reflete os desafios impostos pelas regulamentações técnicas ao longo dos anos. “Existem altos e baixos que, no nosso mundo, estão diretamente ligados às mudanças regulatórias. Nos últimos oito anos, enfrentamos duas mudanças em que tentaram nos impedir de dominar a F1”, explicou. Ele reconhece que tais mudanças são inerentes ao esporte: “A natureza do jogo é alterar os regulamentos para manter as corridas competitivas. Depois das últimas alterações, não acertamos.”
Toto Wolff e sua resiliência e superação não só no mundo profissional, mas além dele
As conquistas de Toto foram moldadas por momentos de adversidades profundas desde a infância. Ele perdeu o pai aos 15 anos, mas já havia enfrentado anos difíceis antes disso, pois seu pai lutava contra um câncer cerebral desde que Wolff tinha cinco anos. “Minha mãe não estava tão presente porque precisava sobreviver sozinha. Eu tive que cuidar da minha irmã mais nova e assumir responsabilidades cedo. Queria ter controle financeiro da minha vida desde pequeno.”
Sua jornada de sobrevivência começou ainda criança. Wolff relembra momentos dolorosos, como ser retirado da escola aos 12 anos devido à falta de pagamento das mensalidades, e a difícil tarefa de explicar isso à sua irmã de apenas 10 anos. “Não havia tempo para sentir pena de mim mesmo. Eu estava em modo de sobrevivência.”
Além das dificuldades financeiras e da perda do pai, Wolff enfrentou um golpe devastador aos 30 anos, quando seu melhor amigo cometeu suicídio. “Eu penso nele o tempo todo, mas você precisa fazer as pazes com isso.”
Ele admite que a dor e os traumas da infância marcaram sua saúde mental na vida adulta. “Quando você passa por dificuldades na infância e não consegue processá-las, elas voltam. Momentos realmente difíceis, como morte, doença ou separação, me atingem profundamente. Nunca tem a ver com negócios ou esportes.”
Mesmo assim, Wolff encontrou força em meio às dificuldades da vida. Ele revela que sua zona de conforto está em manter-se ocupado, mesmo em momentos de descanso. “É difícil para mim parar completamente. Não sou alguém que tira um mês de férias.”
No entanto, ele reconhece que enfrentou períodos sombrios, nos quais até sair da cama era um desafio. Esses momentos de luta o levaram a defender a importância de desestigmatizar a saúde mental. “Quero falar sobre isso porque é importante normalizar essas questões.”
Hoje, na casa dos 50, o Diretor Executivo diz que se sente mais em paz. Inspirado pelo filósofo Arthur Schopenhauer, ele reflete: “Schopenhauer via a vida como sofrimento constante, mas quanto mais perto você chega do fim, melhor. Sinto esse alívio. Estou mais da metade do caminho.”
“Depois de um tempo, uma certa aceitação sobre a vida entra em ação. Não vamos sobreviver. Então, vamos apenas tirar o máximo disso.” Com humor, ele vislumbra o futuro com leveza.