O Brasil se deparou com um caso sem precedentes: seis pessoas no Rio de Janeiro foram contaminadas pelo vírus HIV após receberem órgãos transplantados. Segundo Lígia Câmera Pierrotti, infectologista e coordenadora da Comissão de Infecção em Transplantes da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO), esta é a primeira vez que um incidente como este ocorre no país. O caso, que chocou o sistema de saúde, trouxe à tona questões sobre a triagem de doadores e a segurança nos procedimentos de transplantes.
Como funciona a triagem de doadores?
A triagem de doadores é um processo extremamente rigoroso. Todos os órgãos doados passam por exames sorológicos, que verificam a presença de infecções como HIV, hepatite B e C, entre outras. Além dos exames laboratoriais, entrevistas com doadores ou suas famílias e exames físicos são realizados para garantir que a doação seja segura. No Brasil, o Sistema Nacional de Transplantes (SNT) tem critérios estabelecidos em conjunto com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que regulamenta o rastreamento de doadores.
“Os exames são fundamentais para excluir doações que possam comprometer a saúde dos pacientes que esperam por transplantes,” destaca Pierrotti. Ela explica que, no Brasil, a triagem inclui testes obrigatórios para infecções como HIV, hepatite e HTLV. Além disso, doenças regionais como a de Chagas são investigadas em áreas específicas, como a América Latina.
O que deu errado?
No caso ocorrido no Rio de Janeiro, uma falha grave no processo de testagem levou à contaminação. De acordo com investigações, o laboratório responsável, PCS Lab Saleme, localizado em Nova Iguaçu, não possuía os kits necessários para realizar os testes de HIV. A Anvisa revelou ainda que o laboratório pode ter forjado os resultados. Após a descoberta, o Ministério da Saúde determinou a interdição cautelar do laboratório e a testagem dos materiais de todos os doadores envolvidos.
Segundo Alberto Chebabo, presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia, o erro é alarmante, pois “a transmissão do HIV em transplantes é completamente inesperada e evitável”. Ele enfatiza que os testes de HIV usados no Brasil são altamente sensíveis, tornando o risco de transmissão extremamente baixo.
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Medidas para evitar novos casos
Apesar do incidente, especialistas reforçam que o Brasil tem um dos sistemas de transplantes mais seguros do mundo, sendo o quarto país que mais realiza transplantes de fígado e rim. “O Brasil realiza transplantes desde a década de 60 e, até então, nunca havia ocorrido um caso de transmissão de HIV,” pontua Pierrotti.
O Ministério da Saúde emitiu uma nota reforçando que as normas de segurança já são robustas e visam garantir que incidentes como este não se repitam. Além disso, novas orientações foram estabelecidas para aprimorar os procedimentos de identificação de infecções antes da doação.
Impacto no sistema de transplantes
Embora este caso tenha gerado grande preocupação, infectologistas afirmam que a transmissão de HIV por transplante de órgão é extremamente rara. “O teste de HIV no Brasil é muito sensível, e um resultado falso negativo é quase impossível,” explica Álvaro Costa, infectologista do Hospital das Clínicas da USP. Ele também destaca a importância de uma investigação criteriosa de doadores, envolvendo testes laboratoriais e entrevistas detalhadas.
Casos como este podem causar desconfiança no sistema de transplantes, mas, na prática, os riscos de infecção são mínimos quando os procedimentos são seguidos corretamente. O Brasil continua sendo referência mundial em transplantes e mantém altos padrões de segurança para proteger tanto doadores quanto receptores.